RECOMENDAÇÃO ADMINISTRATIVA Nº 10/2025 (Procedimento Administrativo MPPR n.º 0076.25.000601-2)

sexta, 20 de junho de 2025

 

RECOMENDAÇÃO ADMINISTRATIVA 10/2025

(Procedimento Administrativo MPPR n.º 0076.25.000601-2)

O Ministério Público do Estado do Paraná, presentado pelos promotores de justiça signatários, no uso de suas atribuições, no uso de suas atribuições legais, com fulcro no artigo 127, caput, artigo 129, incisos II e III, todos da Constituição Federal; artigo 5º, caput, da Lei n.º 7.347/1985; artigo 25, inciso IV, alínea a, da Lei n.º 8.625/1993, art. 27, parágrafo único, inciso IV e art. 80, ambos da Lei Federal n. 8.625/1993 e Resolução n. 164/2017 do CNMP; na tutela dos interesses dos direitos difusos e coletivos e individuais indisponíveis, e em especial, na defesa do interesse da sociedade do Município de Laranjeiras do Sul/PR;

Considerando que o Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático, patrimônio público e social, da moralidade e eficiência administrativas, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos, na forma dos artigos 127, caput, e 129, II e III, da Constituição da República, artigo 25, IV, “a”, da Lei n.º 8.625/93, e do artigo 114, IV, a e b, da Lei Complementar Estadual n.º 72/2008;

Considerando que compete ao Ministério Público expedir recomendações, de maneira preventiva ou corretiva, preliminar ou definitiva, a qualquer pessoa, física ou jurídica, de direito público ou privado, visando à proteção dos interesses, direitos e bens cuja defesa lhe cabe promover, fixando prazo razoável para a adoção das providências cabíveis (LC N.º 73/95, artigo 6º; Lei N.º 8.625/93, artigo 80; Resolução nº 164/2017, artigo 4º);

Considerando que chegou ao conhecimento deste órgão de execução ministerial a oferta, publicidade e venda irrestrita e indiscriminada à população do município, abrangendo, inclusive, crianças e adolescentes, de cigarros eletrônicos, vapes e assemelhados, no Município de Laranjeiras do Sul/PR, os quais possuem importação, comercialização e publicidade proibidas no território nacional, conforme Resolução 46/2009, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA);

Considerando que vape é um dispositivo eletrônico para fumar (DEF) cuja definição da ANVISA é a seguinte: “os dispositivos eletrônicos para fumar (DEF), também conhecidos como cigarros eletrônicos, e-cigarette, e-ciggy, e-pipe, e-cigar, heat not burn (tabaco aquecido), dentre outros, são constituídos, em sua maioria, por um equipamento com bateria recarregável e refis para utilização” (ANVISA, 2020, p.1);

Considerando que, conforme disposto na Lei nº 9.294/1996:

 

 

“Art. 3º É vedada, em todo o território nacional, a propaganda comercial de cigarros, cigarrilhas, charutos, cachimbos ou qualquer outro produto fumígeno, derivado ou não do tabaco, com exceção apenas da exposição dos referidos produtos nos locais de venda, desde que acompanhada das cláusulas de advertência a que se referem preços, que deve incluir preço mínimo de venda no varejo de cigarros classificados no código 2402.20.00 da Tipi, vigente à época, conforme estabelecido pelo Poder Executivo. (Redação dada pela Lei nº 12.546, de 2011)”[destacou-se]

 

Considerando que a ANVISA, no Art. 1º, de sua Resolução nº 46/2009, dispôs sobre a proibição da comercialização, da importação e da propaganda de quaisquer dispositivos eletrônicos para fumar, conhecidos como cigarros eletrônicos, e-cigaretes, e- ciggy, ecigar, entre outros, especialmente os que aleguem substituição de cigarro, cigarrilha, charuto, cachimbo e similares no hábito de fumar, ou objetivem alternativa no tratamento do tabagismo, estando incluídos na proibição quaisquer acessórios e refis destinados ao uso em qualquer dispositivo eletrônico para fumar;

Considerando que o Art. 3º do sobredito texto infralegal preconiza que a infração do disposto na Resolução, na seara administrativa, sujeitará os responsáveis às sanções previstas na Lei nº 6.437/1977, que dispõe sobre as infrações à legislação sanitária federal e estabelece as respectivas sanções:

“Art. 1º - As infrações à legislação sanitária federal, ressalvadas as previstas expressamente em normas especiais, são as configuradas na presente Lei.

Art. 2º - Sem prejuízo das sanções de natureza civil ou penal cabíveis, as infrações sanitárias serão punidas, alternativa ou cumulativamente, com as penalidades de: I – advertência; II – multa; III - apreensão de produto; IV - inutilização de produto; V - interdição de produto; VI - suspensão de vendas e/ou fabricação de produto; VII - cancelamento de registro de produto; VIII - interdição parcial ou total do estabelecimento; IX - proibição de propaganda; X - cancelamento de autorização para funcionamento da empresa; XI - cancelamento do alvará de licenciamento de estabelecimento; XI - A - intervenção no estabelecimento que receba recursos públicos de qualquer esfera. XII - imposição de mensagem retificadora; XIII - suspensão de propaganda e publicidade”.

 

Considerando que, consoante relatório da GGTAB – ANVISA, entre as “consequências relacionadas aos Riscos e agravos associados ao uso dos DEF, estão a epidemia ou aumento de uso destes dispositivos eletrônicos, principalmente entre jovens e  adolescentes; o  efeito  porta  de entrada para  o tabagismo (produtos convencionais) e outras drogas e a iniciação de não fumantes ao tabagismo, por meio do uso inicial de DEF; o aumento dos agravos à saúde associados ao uso dual (DEF e produtos convencionais); o aumento da prevalência de doenças pulmonares, cardíacas, imunológicas, dentre outras; além da normalização do ato de fumar, uma vez que estes produtos são mais aceitos socialmente do que os produtos convencionais”;

 

Considerando que o estudo destaca a presença de sais de nicotina e de substâncias tóxicas nos cigarros eletrônicos e a grande diversidade de produtos com diferentes níveis de nicotina e tipos de aditivos. Destaca também temor específico com o marketing desses produtos, que têm sido fortemente promovidos com mensagens implícitas e explícitas de que são menos tóxicos que os cigarros convencionais, confundindo consumidores e evadindo ou impedindo a introdução de regulações que tratem destes produtos;

Considerando que o Relatório da OMS alerta expressamente sobre a epidemia de EVALI (Electronic or Vaping Acute Lung Injury), ocorrida nos EUA, que matou dezenas de pessoas e vitimou milhares de outras, e destaca a importância no avanço de estudos sobre a toxicidade dos constituintes dos e-líquidos, bem como sobre a importância do registro e monitoramento de casos, uma vez que cerca de 35 a 40 milhões de pessoas (adultos e crianças) usam cigarros eletrônicos globalmente;

Considerando que, atualmente, os custos ao sistema de saúde decorrentes do tabagismo, incluídos os DEF’s (uma vez que estudos apontam que eles causam dependência, são atrativos e que podem ser porta de entrada para o uso de cigarros convencionais) passa dos 125 bilhões de reais por ano, enquanto a arrecadação de impostos pela venda de produtos de tabaco é de, aproximadamente, 12 bilhões de reais por ano, muito aquém do montante gasto como resultado do consumo destes produtos no país;

Considerando que, no Brasil, as razões para o uso de cigarros eletrônicos foram questionadas durante a 3ª onda do Projeto Internacional de Avaliação da Política de Controle do Tabaco (Projeto ITC), sendo alarmante o percentual de respostas relacionadas à percepção de que os cigarros eletrônicos sejam menos danosos do que os cigarros convencionais (69%) ou que eles podem não ser tão prejudiciais para a saúde (59%), além do fator curiosidade (59%). Destaca-se também os percentuais relativos ao fato de parecerem legais (p. ex interessantes) (43%) – muito associado às descobertas da juventude;

 

Considerando que a Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco (CQCT/OMS) determina “que toda pessoa deve ser informada sobre as consequências sanitárias, a natureza aditiva e a ameaça mortal imposta pelo consumo e a exposição à fumaça do tabaco”, preconizando a adoção de medidas legislativas, executivas, administrativas e outras medidas efetivas a serem implementadas no nível governamental adequado para proteger toda pessoa da exposição à fumaça do tabaco;

Considerando que, não obstante a proibição da venda de produtos de tabaco, ou que possam causar dependência a menores de idade, estudo publicado em 2018, com jovens de 13 a 17 anos, mostra que de cada 10 adolescentes que tentaram comprar cigarros, 9 obtiveram sucesso. Outro dado importante é que 80% das vendas ocorreram em lojas e botecos, ou seja, no comércio regular;

Considerando que o Código Penal Brasileiro define em seu art. 180 o crime de receptação:

Art. 180 - Adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime, ou influir para que terceiro, de boa-fé, a adquira, receba ou oculte: Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.

1º - Adquirir, receber, transportar, conduzir, ocultar, ter em depósito, desmontar, montar, remontar, vender, expor à venda, ou de qualquer forma utilizar, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, coisa que deve saber ser produto de crime: Pena - reclusão, de três a oito anos, e multa.

§ 2º - Equipara-se à atividade comercial, para efeito do parágrafo anterior, qualquer forma de comércio irregular ou clandestino, inclusive o exercício em residência […]”.

 

Considerando que o Código Penal Brasileiro define em seu art. 278:

“[…] Art. 278 - Fabricar, vender, expor à venda, ter em depósito para vender ou, de qualquer forma, entregar a consumo coisa ou substância nociva à saúde, ainda que não destinada à alimentação ou a fim medicinal: Pena - detenção, de um a três anos, e multa […]”.

 

Considerando que o Código Penal Brasileiro define em seu art. 334-A o crime de contrabando:

“Art. 334-A. Importar ou exportar mercadoria proibida: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 ( cinco) anos.

§ 1º Incorre na mesma pena quem:

  1. – pratica fato assimilado, em lei especial, a contrabando;
  1. – importa ou exporta clandestinamente mercadoria que dependa de registro, análise ou autorização de órgão público competente;
  2. – reinsere no território nacional mercadoria brasileira destinada à exportação;
  3. – vende, expõe à venda, mantém em depósito ou, de qualquer forma, utiliza em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria proibida pela lei brasileira;
  4. – adquire, recebe ou oculta, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria proibida pela lei brasileira”.

 

Considerando que o Código de Defesa do Consumidor dispõe sobre os direitos fundamentais dos consumidores e, em seu capítulo criminal, pontua os crimes contra as relações de consumo:

“Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

  1. a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos;
  2. – a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações;
  3. – a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;

Art. 61. Constituem crimes contra as relações de consumo previstas neste código, sem prejuízo do disposto no Código Penal e leis especiais, as condutas tipificadas nos artigos seguintes.

Art. 68. Fazer ou promover publicidade que sabe ou deveria saber ser capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa a sua saúde ou segurança:

Pena – Detenção de seis meses a dois anos e multa”.

 

Considerando que o Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece;

“Art. 81. É proibida a venda à criança ou ao adolescente de: (...)

III – produtos cujos componentes possam causar dependência física ou psíquica ainda que por utilização indevida;

Art. 2431. Vender, fornecer, servir, ministrar ou entregar, ainda que gratuitamente, de

 
   
 

1“APELAÇÃO CRIME. TIPO DO ART. 243 DO ECA. VENDA DE PRODUTO A ADOLESCENTE, DE 13 ANOS, COM COMPONENTE QUE CAUSA DEPENDÊNCIA. CIGARRO ELETRÔNICO. RECURSO DA DEFESA. PLEITO ABSOLUTÓRIO AO ARGUMENTO DE NÃO COMPROVAÇÃO DE AUTORIA. PALAVRA DA VÍTIMA

 

qualquer forma, a criança ou a adolescente, bebida alcoólica ou, sem justa causa, outros produtos cujos componentes possam causar dependência física ou psíquica:

Pena – detenção de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa, se o fato não constitui crime mais grave”.

 

Considerando o teor da Instrução Normativa RFB n.º 2229/2024:

“SECRETÁRIO ESPECIAL DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL, no uso da atribuição

que lhe confere o art. 350, caput, inciso III, do Regimento Interno da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil, aprovado pela Portaria ME nº 284, de 27 de julho de 2020, resolve: Art. 1º A Instrução Normativa RFB nº 2.119, de 6 de dezembro de 2022, passa a vigorar com as seguintes alterações:"Art. 2º Parágrafo único. O CNPJ adotará o formato alfanumérico composto por quatorze posições, conforme disposto no Anexo XV, com previsão de implementação a partir de julho de 2026." (NR)"Art.37 § 8º A entidade ou estabelecimento filial será imediatamente declarada Suspensa, a partir da ciência do termo de retenção, caso seja constatada a realização de atividades de comercialização, exposição, armazenamento, guarda ou transporte de produtos proibidos, que representem potencial risco à saúde pública, ao meio ambiente ou à segurança, tais como cigarros eletrônicos, vapes, fumígenos, entre outros, especialmente durante operações de combate ao contrabando, descaminho, tráfico internacional de drogas e lavagem de dinheiro, sem prejuízo das demais sanções cabíveis."Art. 2º A Instrução Normativa RFB nº 2.119, de 6 de dezembro de 2022, passa a vigorar acrescida do Anexo XV, nos termos do Anexo Único desta Instrução Normativa. Art. 3º Esta Instrução Normativa entrará em vigor 10 (dez) dias após sua publicação no Diário Oficial da União” [destacou-se]

 

Considerando, por fim, que o artigo 27, parágrafo único, inciso IV, da Lei Federal n. 8.625/93, faculta ao Ministério Público expedir recomendação administrativa aos órgãos da administração pública federal, estadual e municipal, requisitando ao destinatário sua adequada e imediata divulgação, RESOLVE RECOMENDAR:

  1. às atividades comerciais do município de Laranjeiras do Sul/PR que cessem imediatamente a comercialização, a importação e a propaganda dos produtos conhecidos como dispositivos eletrônicos para fumar (DEFs), como por exemplo cigarros eletrônicos,
 
   
 

CORROBORADA PELO CONTEXTO FÁTICO E PROBATÓRIO. ESPECIAL VALOR PROBANTE EM DELITOS PRATICADOS NA CLANDESTINIDADE. NEGATIVA DE AUTORIA DISSOCIADA DO ARCABOUÇO PROBATÓRIO. ÁLIBI NÃO DEMONSTRADO. ÔNUS DA DEFESA. INTELIGÊNCIA DO ART. 156 DO CPP. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJPR - 2ª Câmara Criminal - 0000373-15.2022.8.16.0042 - Alto Piquiri - Rel.: DESEMBARGADOR JOSCELITO GIOVANI CE - J. 23.10.2023)”[destacou-se vaper, pod, ecigaretes, e-ciggy, ecigar, entre outros, especialmente os que aleguem substituição de cigarro, cigarrilha, charuto, cachimbo e similares no hábito de fumar ou objetivem alternativa no tratamento do tabagismo;

 
  1. à Associação Comercial e Empresarial de Laranjeiras do Sul/PR – ACILS para que cientifique seus associados quanto ao teor da presente recomendação, e no prazo, impreterível de dez dias úteis, encaminhe a esta Promotoria de Justiça documento comprobatório idôneo que atesta as diligências encartadas;

Ficam os destinatários da presente recomendação plenamente cientificados da natureza e reflexos jurídicos dos atos praticados e ora impugnados, de modo que eventual descumprimento da presente recomendação ensejará imediata deflagração de ação(ões) pertinente(s), inclusive de responsabilização pessoal do(s) agente(s), por ofensa, a partir de então, consciente e voluntária, dos princípios e demais normas aqui já explanados na presente recomendação.

Encaminhem cópias desta Recomendação Ministerial, pela via própria, aos seus destinatários. Ao fim, remeta-se cópia da presente Recomendação Ministerial:

    • Ao Gabinete do Prefeito do Município de Laranjeiras do Sul/PR;
    • À Delegacia de Polícia Civil de Laranjeiras do Sul/PR;
    • Ao Comando da Polícia Militar de Laranjeiras do Sul;
    • À Vigilância Sanitária de Laranjeiras do Sul/PR;
    • À Câmara Municipal de Laranjeiras do Sul/PR;
    • Ao Conselho Tutelar de Laranjeiras do Sul/PR;
    • Às emissoras de rádio, profissionais e órgão de imprensa existentes no Município de Laranjeiras do Sul/PR, para fins de divulgação ao público em geral. Registre-se. Publique-se.

Laranjeiras do Sul/PR, datado e assinado digitalmente.

 

 

IGOR RABEL           Assinado de forma digital por IGOR RABEL

CORSO:062083539 CORSO:06208353971

71                          Dados: 2025.06.18 12:51:07

-03'00'

 

Igor Rabel Corso

Promotor de Justiça

 

 

Assinado de forma digital por CARLOS ROBERTO PEREIRA CARLOS ROBERTO PEREIRA BITENCOURT:36820878850 BITENCOURT:36820878850

Dados: 2025.06.18 1_2:53:23 -03'00'

Carlos Roberto Pereira Bittencourt

Promotor Substituto

 

 

Fonte: Assessoria

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